A discriminação baseada no sotaque é particularmente perigosa em contextos educativos. Por exemplo, se os professores avaliarem negativamente os alunos com base num preconceito de sotaque, estes podem sofrer de falta de motivação e de baixa autoestima.
Até à data, a investigação sobre a discriminação baseada no sotaque no domínio da educação tem sido realizada principalmente em países de língua inglesa. Por exemplo, num inquérito recente realizado no Reino Unido a estudantes universitários e a candidatos à universidade (Levon, Sharma & Ilbury 2022), um número significativo de inquiridos (30% da amostra de estudantes e 29% da amostra de candidatos) referiu ter sofrido preconceito em relação ao sotaque regional e ter-se sentido ridicularizado, criticado ou destacado devido ao seu sotaque.
De acordo com Levon e colegas (ibid.: 19), “a investigação demonstrou que a ideologia da língua padrão é imposta tanto implicitamente – através do ensino e da exigência de que o aluno utilize estilos de fala “fluentes” (frequentemente equiparados à eliminação de traços regionais) – como explicitamente – através de políticas educativas”.
Assim, “[m]uitos estudantes universitários relatam uma pressão para mudar o seu sotaque contra a sua vontade”, o que “coloca uma pressão cognitiva acrescida num subconjunto de grupos sociais que tendem a enfrentar já desvantagens de outros tipos” (ibid.: 25). Os autores sublinham ainda que “os estudantes relatam hesitação em falar na aula, falar em tutoriais ou fazer perguntas, o que pode impedir a aprendizagem e a aquisição de competências de comunicação e de falar em público, cruciais para a mobilidade social e a progressão na carreira” (ibid.).
No que se refere às escolas, dois estudos recentes realizados no Reino Unido demonstraram que a avaliação do desempenho dos alunos, tanto pelos professores (Snell & Cushing 2022) como pelos inspetores (Cushing & Snell 2022), é afetada por suposições estereotipadas sobre os sotaques.
Passando para um contexto não europeu e considerando outras línguas para além do inglês, Olko et al. (2023) examinaram os processos de aculturação dos povos indígenas que falam nahuati no México. Descobriram que a discriminação linguística, da qual as escolas são um espaço primário, é um importante fator de previsão de uma pior autoavaliação da saúde e de níveis mais elevados de depressão nas comunidades Nahua. Estudos recentes centraram-se nas atitudes dos professores em relação ao discurso com sotaque dos alunos em Itália (para uma análise aprofundada da situação dos sotaques em Itália e das atitudes em relação ao multilinguismo nas escolas, clique aqui) e nas atitudes dos alunos alemães do ensino secundário em relação a diferentes variedades de inglês.
De um modo geral, a discriminação baseada no sotaque na educação é ainda uma área de estudo pouco investigada e que merece maior atenção por parte da opinião pública e dos decisores políticos. O principal objetivo do CIRCE é precisamente sensibilizar para esta forma de discriminação e desenvolver recursos que promovam uma maior tolerância em relação à variação de sotaque.
A discriminação baseada no sotaque pode ter um impacto significativo nos alunos da escola de várias formas:
1. Intimidação e exclusão social: Os alunos que falam com um sotaque diferente do sotaque dominante ou do sotaque considerado “padrão” podem tornar-se alvos de bullying ou de exclusão social pelos seus pares. Podem ser ridicularizados, gozados ou isolados, o que pode levar a sentimentos de vergonha, baixa autoestima e uma experiência escolar negativa.
2. Desempenho académico e confiança: A discriminação baseada no sotaque pode afetar o desempenho académico e a confiança de um aluno. Os alunos que são constantemente sujeitos a reações negativas ou a um tratamento preconceituoso com base no seu sotaque podem sentir-se desencorajados a participar nas aulas, a falar ou a exprimir-se. Isto pode prejudicar a sua aprendizagem, o seu empenho académico e os seus resultados educativos globais.
3. Desenvolvimento da linguagem: A discriminação baseada no sotaque pode também afetar o desenvolvimento linguístico do aluno. Quando os alunos são desencorajados ou silenciados devido ao seu sotaque, podem hesitar em praticar a fala ou em participar em atividades verbais. Isto pode prejudicar a sua fluência linguística, a aquisição de vocabulário e as suas capacidades de comunicação, afetando potencialmente o seu progresso escolar e as suas oportunidades futuras.
4. Identidade cultural e pertença: Os alunos que sofrem discriminação baseada no sotaque podem debater-se com o seu sentido de identidade cultural e de pertença. Podem sentir-se pressionados a modificar o seu sotaque ou a suprimir a sua origem cultural para se adaptarem às expetativas da sociedade ou evitarem a discriminação. Este conflito interno pode resultar numa perda de ligação à sua herança cultural, levando a sentimentos de isolamento ou crise de identidade.
5. Bem-estar psicológico: A discriminação baseada no sotaque pode ter um impacto negativo no bem-estar psicológico das crianças em idade escolar. Experiências persistentes de discriminação podem contribuir para o aumento do stress, da ansiedade e da depressão. Pode criar um ambiente escolar hostil que afeta a saúde emocional geral e a felicidade dos alunos.
Já passou por alguma destas situações? Conte-nos a sua história!